Ordália


Por algum tempo me sentia uma verdadeira ermitã ao pisar nessa universidade. Olhava para a copa das árvores da FFLCH e parecia um sonho: a USP parecia uma porta para as belezas do mundo. Era inconcebível estar ali, minha história não parecia caber em um lugar tão bonito. Muitos pensamentos passavam pela minha cabeça em velocidades estrondosas, desde o fato de meus trabalhos até o momento terem sido em cozinhas, bares e faxinas, e, justamente eu, estar em um ambiente em que todos pareciam falar francês e inglês desde os 3 anos, até uma luta pessoal contra o ego, onde todos pareciam apreciar tanto o som de suas próprias vozes, e eu, apreciar as filosofias budistas e das umbandas de negação do eu. Eu logo percebi que realmente não era para estar lá, todas as engrenagens do sistema não permitiriam que eu estivesse lá. A sensação que eu tinha era que meu lugar era servindo esses grandes pensadores e intelectuais, fazendo suas comidas, limpando suas casas. Conversei com o meu marido sobre isso e ele me disse que isso que eu estava vivendo era rap. Os sentimentos dele são um rap. O que eu entendi do recado em nossas muitas conversas era que precisava resinificar os espaços, pois se de alguma forma eu estava lá era porque era para estar lá. Essa coisa de pertencer à um lugar foi me parecendo cada vez mais frágil, tentei tornar essa situação como o admirável professor Remo Lupin a torna: transformando o medo em algo engraçado, em algo Riddikulus. Percebi com o professor que onde está as nossas fragilidades é também onde mora os desafios dessa vida. Essas pequenas lições que a literatura nos ensina é capaz de inspirar gerações. Já não sei se estou fazendo um rap ou um livro, mas certamente sei que estou fazendo algo. E, nesse momento, é tudo o que importa.

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