O idílio a velhice

Envelhecer é uma carta certa para todos nós. A cada dia, a cada nova experiência, envelhecemos e podemos perceber isso quando olhamos no espelho, quando endurecemos os nossos pensamentos, e até quando temos dificuldade de encostar na ponta dos pés sem dobrar o joelho. Coisas que antes pareciam leves e flutuar como um passarinhos, agora são duras.

Normalmente se encara a velhice em dois extremos rígidos. E extremos, nos dias de hoje, não costumam ser bons. O primeiro é como ela sendo a melhor idade, o momento das realizações, onde somos plenos. Meu avó, adepto dessa vertente e animado como era sempre dizia que estava vivendo a melhor fase de sua vida. O segundo são as dores da velhice, a osteoporose. Minha avó, rabugenta como é, encara o segundo extremo e costuma dizer que é um bebê velho, sempre precisava dos outros cuidando dela, nas palavras dela "véio não presta". 

Como as experiências da velhice podem nos reduzir tanto?

Entre esses limites, percebi que os discursos dos senhores e das senhoras que passam por nossa vida, acabam encarando também a juventude de modo maniqueísta. No entanto, há algo que se destaca.

Ouvi uma vez, que velho gosta de colecionar rancor. Talvez seja verdade, nada nos endurece mais que o rancor. Talvez por isso a maioria dos velhos que conheço são rabugentos. E mesmo assim há um idílio entrelinhas exaltando a velhice. A velhice sutilmente se destaca.

Discursos como:  "No meu tempo não era assim", "Você tem que respeitar os mais velhos!", "Nossa, mas você não é muito jovem?", "Você é jovem demais para entender", "Você é um neném"... Entre outros são comuns se prestarmos atenção. E é sempre a mesma premissa passada por adultos e velhos aos jovens. No entanto, para o olhar de fino observador, isso tem um tom de arrogância que rompe barreiras.

Primeiro, que respeito não se exige, se conquista, seja velho, seja jovem, seja marciano.

Segundo, que não se pode anular a experiência de ninguém sobre o pedestal da velhice. Como se sabe que somos jovens demais? O tempo é relativo. As experiências são nossas edificações. O que somos não virá com manual de instruções, somos infinitos, que se constituem no tempo pelas experiências que temos.

Terceiro, ser velho não lhe dará o alvará de estar sempre certo. Certa vez, estava em uma fila da lotérica e uma velhinha com seus 69 anos queria brigar com um adolescente que passou na sua frente, no entanto, ela não tinha visto que ele passou na frente para avisar que seu avó de 96 anos queria passar na fila pelas suas condições limitadas. Eles discutiram e a todo o momento ela se julgou certa, mesmo quando ele foi embora com seu avó, ficou murmurando pelos cantos "maldito galinho de briga". Ela não percebeu que ser velho não significava que estar morto. Ainda tinha muito o que aprender.

Sabe o que é mais triste de tudo isso? A juventude vem imitando esse idílio a velhice. E não se consegue mais sair dessa roda da sansara. Para que se rompa o ciclo é preciso que não julgue ninguém pela idade, quão limitado instrumento metodológico, ela nunca lhe dirá a luta individual de cada um.

E como diria Lya Luft:
"Nem todo velho é bom só por ser velho. Ao contrário, se não acumularmos bom humor, autocrítica, certa generosidade e cultivo de afetos vários, seremos velhos rabugentos que afastam família e amigos". 

E isso não vale só para a velhice... para os jovens também fica o conselho. Afinal, somos os velhos que o mosaico de nossa juventude construiu.

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